HISTÓRICO / TIMELINE

HISTÓRICO DO INSTITUTO AFRORIGENS & O CASO CAMARGO

O Instituto AfrOrigens é uma organização sem fins lucrativos brasileira dedicada à pesquisa, localização, estudo e conservação do patrimônio cultural subaquático relacionado ao tráfico transatlântico de escravos, bem como à preservação das histórias associadas, especialmente aquelas vinculadas às comunidades afrodescendentes quilombolas.

O AfrOrigens foi criado em 08 de maio de 2023 como parte a congregação de esforços de pesquisadores e cineastas que já desenvolveram, em diferentes épocas, projetos relacionados ao brigue escravagista Camargo, mas que unem esforços na continuidade das buscas pelos restos materiais do naufrágio, sua pesquisa arqueológica e divulgação, servido estrategicamente como uma ferramenta política para o empoderamento de comunidades quilombolas, na reivindicação por reparação histórica e justiça social.

Para entender a história do brigue escravagista Camargo precisamos recuar no tempo, voltando a foz do rio Bracuí em meados do século XIX. A embarcação construída nos Estados Unidos foi naufragada pelo seu capitão, Nathaniel Gordon cidadão do Maine-EUA, na região do Bracuí – na Baía de Angra dos Reis, Rio de Janeiro, Brasil – em 1852 de forma proposital, como estratégia de ocultamento da atividade clandestina de tráfico de africanos, após desembarcar mais de 500 africanos escravizados procedentes de Moçambique.

A fazenda Santa Rita do Bracuí de propriedade do comendador José de Souza Breves, atuou ativamente no tráfico clandestino de africanos, como porto e fazenda de recepção de recém-chegados, distribuindo essas pessoas serra acima, nas fazendas de café da região do Vale do Paraíba. Desde o final do século XIX, os descendentes dos escravizados da fazenda tem sofrido com tentativas de expulsão do seu território. Contudo, através da oralidade e narrativas cifradas em pontos de jongo, mantiveram viva a memória que em 1878 as terras haviam sidas deixas em testamento pelo José de Souza Breves ao seus ex-escravizados, naquele momento já libertos. Na memória da comunidade de descendentes também ficou marcada a história do desembarque brigue escravagista Camargo.

Na década de 1990, a história da repressão do tráfico ilegal de africanos, com o caso do Camargo, torna-se tema de interesse historiográfico, legitimando a oralidade da comunidade ao fundamentá-la com uma vasta documentação histórica. Em 1995, foi publicado o livro Resgate. Uma janela para o Oitocentos, organizado por Hebe Mattos e Eduardo Schnoor, entre o conjunto de ensaios que compõem o livro, Martha Abreu (membro do AfrOrigens) publicou o texto intitulado” Caso Bracuí”, que explorava a história do desembarque clandestino de escravos africanos ocorrido em 1852. A partir desse fio condutor, integrando a oralidade da comunidade na construção de uma história local, resultou no projeto Passados Presentes e em muitos anos de parceria com a comunidade quilombola.

No início de 2000, o arqueólogo Gilson Rambelli (membro do AfrOrigens), pioneiro no desenvolvimento de uma arqueologia marítima aos moldes internacionais, desenvolve a primeira proposta arqueológica de estudo de um navio escravagista com seu projeto de pós-doutorado Arqueologia Subaquática de um navio negreiro: a história que não está nos livros, que foi desenvolvida sob supervisão do arqueólogo Pedro Paulo Abreu Funari, entre 2004 e 2007. Sendo um dos projetos pioneiros nesta temática no mundo, ao propor o estudo arqueológico subaquático dos restos do brigue escravagista Camargo e a sua preservação como patrimônio cultural subaquático.

Os documentaristas Vera Sanada e Yuri Sanada (membros do AfrOrigens) em 2001 quando mudaram para o Bracuí e conheceram a história passada pela comunidade, começaram a pesquisar para fazer roteiro de um filme sobre a história do Camargo e seu controverso capitão Nathaniel Gordon, sendo o único capitão na história dos EUA a ser indiciado e enforcado por tráfico de escravos, quando o Presidente Abraham Lincoln, recém-eleito, decidiu aplicar a punição em 1860. Pensando no desenvolvimento do projeto do longa-metragem, em 2017, fizeram uma visita ao Quilombo com produtor de cinema norte-americano para a construção do projeto Blackbirder ( https://www.projetos.aventura.com.br/blackbirder/), em fase de desenvolvimento, e atualmente tem avançado nos projetos de documentário sobre o Camargo e as ações do AfrOrigens. Em 2021 por indicação de Martha Abreu e Gilson Rambelli tiveram uma reunião no Instituto Smithsonian em Washington DC para levantar fundos para retomar as pesquisas de localização do sítio arqueológico de naufrágio, o que ser desdobrou na parceria com o The Slave Wrecks Project.

Em 2022, o arqueólogo Gilson Rambelli, inicia um novo pós-doutorado com o intuito de retomar a pesquisa do Camargo, sob a supervisão da historiadora Martha Abreu, intitulado Arqueologia de um navio escravagista. Buscando somar esforços na retomada das buscas do naufrágio, no mesmo ano o arqueólogo Júlio Cesar Marins (membro do AfrOrigens) inicia um projeto de mestrado sob a orientação de Gilson Rambelli, com o título Pesquisa Arqueológica Subaquática da Diáspora Africana na Baía de Angra dos Reis-RJ: Pesquisa Arqueológica Subaquática do Sítio de Naufrágio do Brigue Camargo, pesquisa ainda em desenvolvimento.

Para estas pesquisas, em 2022, o professor Gilson Rambelli convidou o arqueólogo Luis Felipe Freire Dantas Santos PhD, especialista em cinema e militante negro, com vasta experiência profissional em projetos por todo Brasil, que viria a ser eleito primeiro presidente do Instituto AfrOrigens.

Após as primeiras visitas técnicas em Angra dos Reis, em dezembro de 2022, financiadas pelo The Slave Wrecks Project, o grupo decidiu se mobilizar para fundar o Instituto AfrOrigens, como forma de empoderar comunidades tradicionais na apropriação dos sítios arqueológicos de navios escravagistas como plataformas poderosas e convincentes publicamente, para a promoção de transformações sociais que desafiam as injustiças persistentes enraizadas na sociedade brasileira e global. Sendo oficialmente criado em 08 de maio de 2023.

Graças à dedicação de todas as pessoas envolvidas nas diferentes etapas de pesquisa ocorridas em nosso primeiro ano de existência como instituto, em dezembro de 2023, conseguimos localizar um sítio do naufrágio, que ainda está em fase de investigação, mas que já aponta para uma relação de identificação com o Camargo.

A participação do quilombo Santa Rita do Bracuí tem sido fundamental neste processo, com o desenvolvimento do caso Camargo, e servindo como um modelo inspirador de apropriação do patrimônio cultural como instrumento de defesa do território e de reparação histórica. Em junho de 2023, desenvolvemos uma primeira oficina de audiovisual, que contou com a parceria da WITNESS Brasil, e em maio de 2024, formamos a primeira turma quilombola de mergulho (nível básico), em parceria com a NAUI Brasil e a AQUAMASTER Centro de Mergulho. Esperamos em breve formar muito mais membros da comunidade quilombola, pois entendemos que a preservação do patrimônio cultural não se limita à integridade física do bem, é necessário capacitar multiplicadores na conservação dos sítios arqueológicos, gerenciando o que está relacionado a eles e se beneficiando deles de várias maneiras. Esses benefícios variam desde o desenvolvimento futuro do turismo cultural até a ação pública para reparações históricas pelos crimes que criaram legados duradouros de injustiça social e desigualdade.


TIMELINE OF THE AFRORIGENS INSTITUTE & THE CAMARGO CASE

The AfrOrigens Institute is a Brazilian non-profit organization dedicated to the research, location, study, and conservation of underwater cultural heritage related to the transatlantic slave trade, as well as the preservation of associated stories, especially those linked to Afro-descendant quilombola communities.

AfrOrigens was created on May 8, 2023, as part of the congregation of efforts of researchers and filmmakers who have already developed, at different times, projects related to the slave Brig Camargo, and then joined efforts to continue the search for the material remains of the wreck, its archaeological research and dissemination, strategically served as a political tool for the empowerment of quilombola communities, in the demand for historical reparation and social justice.

To understand the history of the slave Brig Camargo we need to go back in time, going back to the mouth of the Bracuí River in the mid-19th century. The vessel built in the United States was wrecked by its captain, Nathaniel Gordon, a citizen of Maine-USA, in the Bracuí region – in the Bay of Angra dos Reis, Rio de Janeiro, Brazil – in 1852 on purpose, as a strategy to conceal the activity clandestine African trafficking, after disembarking more than 500 enslaved Africans from Mozambique.

The Santa Rita do Bracuí farm, owned by Commander José de Souza Breves, was actively involved in the clandestine trafficking of Africans, as a port and reception farm for newcomers, distributing these people up the mountains, on coffee farms in the Vale do Paraíba region. Since the end of the 19th century, the descendants of those enslaved on the farm have suffered from attempts to expel them from their territory. However, through orality and narratives encrypted in traditional jongo dance points, they kept alive the memory that in 1878 the lands had been left in a will by José de Souza Breves to his former slaves, at that time already freed. The history of the Camargo slave brig landing was also marked in the memory of the community of descendants.

In the 1990s, the history of the repression of illegal trafficking in Africans, with the case of Camargo, became a topic of historiographical interest, legitimizing the community’s orality by substantiating it with vast historical documentation. In 1995, the book Resgate was published. A Window into the 18th Century, organized by Hebe Mattos and Eduardo Schnoor, among the set of essays that make up the book, Martha Abreu (member of AfrOrigens) published the text entitled “Case Bracuí”, which explored the history of the clandestine landing of African slaves occurred in 1852. From this guiding thread, integrating the community’s orality in the construction of a local history, resulted in the Passados Presentes project and many years of partnership with the quilombola community.

At the beginning of 2000, archaeologist Gilson Rambelli (member of AfrOrigens), a pioneer in the development of maritime archeology along international lines, developed the first archaeological proposal for the study of a slave ship with his post-doctoral project Underwater Archeology of a slave ship: the story that is not in books, which was developed under the supervision of archaeologist Pedro Paulo Abreu Funari, between 2004 and 2007. Being one of the pioneering projects on this topic in the world, by proposing the underwater archaeological study of the remains of the Camargo slave brig and its preservation as an underwater cultural heritage.

Filmmakers Vera Sanada and Yuri Sanada (members of AfrOrigens) in 2001, when they moved to Bracuí and learned about the history passed by the community, they began researching to write a script for a film about the history of Camargo and its controversial captain Nathaniel Gordon, being the only captain in US history to be indicted and hanged for slave trafficking, when President Abraham Lincoln, recently elected, decided to apply the punishment in 1860. Thinking about the development of the feature film project, in 2017, they paid a visit to the Quilombo with a North American film producer for the construction of the Blackbirder project (https://www.projetos.aventura.com.br/blackbirder/), in the development phase, and is currently advancing in documentary projects about Camargo and the actions of AfrOrigens. In 2021, at the recommendation of Martha Abreu and Gilson Rambelli, they had a meeting at the Smithsonian Institution in Washington DC to raise funds to resume research into the location of the archaeological shipwreck site, which resulted in the partnership with The Slave Wrecks Project.

In 2022, archaeologist Gilson Rambelli began a new post-doctorate to resume Camargo research, under the supervision of historian Martha Abreu, entitled Archeology of a slave ship. Seeking to join efforts in restarting the search for the wreck, in the same year, archaeologist Júlio Cesar Marins (member of AfrOrigens) began a master’s project under the guidance of Gilson Rambelli, with the title Underwater Archaeological Research of the African Diaspora in the Bay of Angra dos Reis -RJ: Underwater Archaeological Research at the Brigue Camargo Shipwreck Site, research still under development.

For this research, in 2022, professor Gilson Rambelli invited archaeologist Luis Felipe Freire Dantas Santos PhD, a film specialist and black activist, with extensive professional experience in projects throughout Brazil, who would later be elected the first president of the AfrOrigens Institute.

After the first technical visits in Angra dos Reis, in December 2022, financed by The Slave Wrecks Project, the group decided to mobilize to found the AfrOrigens Institute, as a way of empowering traditional communities to appropriate the archaeological sites of slave ships as powerful platforms. and publicly convincing, to promote social transformations that challenge persistent injustices rooted in Brazilian and global society. It was officially created on May 8, 2023.

Thanks to the dedication of all the people involved in the different stages of research that took place in our first year of existence as an institute, in December 2023, we were able to locate a wreck site, which is still in the investigation phase, but which already points to a relationship identification with Camargo.

The participation of the Santa Rita do Bracuí quilombo has been fundamental in this process, with the development of the Camargo case, and serving as an inspiring model for the appropriation of cultural heritage as an instrument of territorial defense and historical reparation. In June 2023, we developed a first audiovisual workshop, which was in partnership with WITNESS Brazil, and in May 2024, we formed the first quilombola diving class (basic level), in partnership with NAUI Brasil and AQUAMASTER Centro de Dive. We hope to soon train many more members of the quilombola community, as we understand that the preservation of cultural heritage is not limited to the physical integrity of the property, it is necessary to train multipliers in the conservation of archaeological sites, managing what is related to them and benefiting from them many ways. These benefits range from the future development of cultural tourism to public action for historical reparations for crimes that have created lasting legacies of social injustice and inequality.